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September 2009

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por Andrea Carvalho Stark

A porta está fechada mas de repente somos convidados a entrar. E ficamos tão perto, parece que somos nós os convidados. Sim, somos os convidados, sentamos à mesa do banquete, mas não conhecemos ninguém daquela família. Eles também não nos conhecem, nos ignoram e nós tentamos ignorá-los como resposta. Ah, na verdade, é um jantar de aniversário, 60 anos do pai, toda família reunida, exceto uma das filhas, cujo lugar está reservado apesar dela não estar lá. Eles estão felizes, brincam, cantam, fazem piadas, e vemos aquilo com certa inveja até que o filho mais velho começa a falar alto. No final da festa, descobrimos algo surpreendente: eles também não se conhecem, mas suas feridas estão debruçadas sobre à mesa do café da manhã, no dia seguinte. Ficamos tensos com a situação... porque sentamos a mesma mesa do banquete, testemunhamos sua última ceia, como aquele vizinho que espia a rotina silenciosa da família rica e feliz na porta ao lado. E depois prova de uma realidade sem disfarces.

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Esse é um dos sentimentos que ficam depois de assistirmos a uma produção marcante que está em cartaz no Rio de Janeiro: a peça "Festa de família" texto do britânico David Eldrige, que por sua vez é uma adaptação do filme homônimo dirigido por Lars von Trier em 1998. No Brasil, "Festa de família" é a primeira direção do reconhecido e jovem ator Bruce Gomlevski e a primeira produção da Companhia Teatro Resplendor. Sem dúvida, "Festa de família" sinaliza um bom começo para o grupo. A montagem brasileira tem sido aplaudida por público e crítica.

O filme foi a primeira produção do manifesto Dogma 1995 que propunha um gênero cinematográfico de baixo custo, sem efeitos especiais para construir-se no ator e no texto. E esse tipo de filme, com ator e texto em primeiro lugar, nada mais é do que a essência do drama, por isso essas produções se tornam tão atraentes para o palco.

Quando soube da peça, Bruce Gomlevsky já havia assistido ao filme. Eu sempre fui fã do filme, desde 98 quando vi na première. Fiquei chapado com o filme! Dois anos atrás, eu descobri que o filme tinha virado peça, aí eu comprei o direito, porque já gostava muito do filme e estava sentindo falta de contracenar com outros atores e retomar uma dramaturgia realista, mais consistente e profunda como é o caso de "Festa de família".

A necessidade de contracenar decorre do fato de que há três anos Bruce Gomlevski colhe os frutos de um retumbante sucesso com "Renato Russo – o musical" onde o ator sozinho no palco interpreta numa sensível abordagem cênica a obra e  a vida de Renato Russo, um dos maiores compositores e cantores pop brasileiros. Com "Festa de família", além de retomar o teatro de grupo, Bruce assina sua primeira direção, além da produção e da interpretação do protagonista. E confessa que assumir essas múltiplas funções foi um caminho natural, depois de 30 peças como ator, 2 codireções e 4 produções no currículo:

Há 6 anos comecei a produzir teatro, essa é minha quinta produção. A partir da produção comecei a me interessar por outros campos do teatro, a ter uma visão mais global. Isso naturalmente me levou a ter outros interesses, de experimentar algumas coisas como diretor. Eu nunca quis ser um encenador, essa é a minha primeira direção sozinho, já codirigi outras 2 peças, então foi um caminho natural mesmo a qual fui levado quando comecei a dirigir e atuar. Comecei a olhar pro trabalho de outros atores, luz, cenário, figurino, concepção do todo. É a minha experimentação enquanto artista, eu quis passar por isso para me experimentar mesmo.

Bruce faz Christian, o heroi, o Cristo, um tipo de redentor que irá dizer o não-dito: a sua historia, e a de sua irmã gêmea, de abusos sexuais pelo próprio pai desde que eram crianças, sob o silêncio da mãe, sob o silêncio das portas cerradas. A irmã desistiu, mas seu nome está na mesa, como um fantasma que chega para acertar as contas. Sua carta suicida vem para a historia como um momento de virada da ação: a revelação de Christian é verdadeira e o personagem ausente se torna o mais eloqüente de todos.

No começo, estamos como aquela família, não sabemos se é verdade, o que é fantasia de uma mente perturbada, Christian nunca vê sua família, raramente aparece, que tipo de mágoa carrega? Depois da carta da irmã suicida lida por Helena (Julia Carrera), a historia se torna a revelação de um desastre íntimo.

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O cenário junta atores e plateia, há uma longa mesa em forma de quadrado onde a plateia pode escolher sentar em alguns lugares, os não reservados aos atores, que logo irão ocupá-los. Há tablados no centro e nas laterais da mesa onde ocorrem as ações que não são as do momento do jantar, e lugares também para a platéia fora da mesa mas sempre bem próxima da ação. A mesa marca espaços, limites, movimentos e o olhar do espectador durante toda a peça. A montagem brasileira de "Festa de família" também construiu um importante diálogo com a luz que cria climas, sombras, até uma redenção: uma luz aberta e branca na última cena, a hora do café da manhã, quando as coisas já foram postas sob a luz e nem pai nem filho tem mais o que esconder.

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Sob a luz aberta no final, o pai sai de cena, não é mais aceito à mesa, mas Christian alcançou seu objetivo? Quem foi punido ou curado? A comida é amarga de qualquer jeito.

Depois de uma bem sucedida temporada no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, "Festa de Família" entrará em cartaz no Espaço Cultural Sergio Porto. Concomitantemente, Bruce Gomlevski ainda poderá ser visto em "Renato Russo – o musical", que será apresentado no Rio de Janeiro como parte do evento "Loucos por música" no Canecão, em outubro de 2009; e em Brasília no mesmo mês. Confira!

 

Festa De Família
11 de setembro a 04 de outubro de 2009
Sexta e Sábado - 21h
Domingos - 20h
NO Espaço Cultural Sergio Porto
R. Humaitá, 163 - Humaitá - Rio de Janeiro - RJ. Tel: (21) 2266-0896

Texto: David Eldridge
Direção: Bruce Gomlevsky
Tradução: José Almino

Elenco: Bruce Gomlevsky (Christian), Julia Carrera (Helene), Walney Costa (Helge), Otto Jr (Michael), Risa Landau (Else),Teresa Fournier (Mette), Joelson Gusson (Poul), Peter Boos (Helmut), Gustavo Mello (Gbatokai), Carolina Chalita (Pia), Ricardo Damasceno  (Kim), Leonardo Corajo (Lars), Carlos Veiga (avô), Júlia Limp Lima (menininha).

Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Iluminação: Maneco Quinderé
Cenografia: Bel Lobo
Figurino: Flávio Souza
Design Gráfico: Maurício Grecco
Assistente de Direção: Tuini Bitencourt
Consultor para assuntos dinamarqueses: Karl Erik Schollhammer
Produção Executiva: Elisa Padilha
Direção de Produção: Bruce Gomlevsky
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

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